Análise: a estratégia arriscada de Lula pode tirar Haddad do segundo turno

Lula tomou, ontem, uma decisão para lá de arriscada – uma decisão que, no limite, pode tirar Fernando Haddad de um provável segundo turno. Em reunião com dirigentes petistas em sua cela em Curitiba, o ex-presidente determinou que sua defesa e o PT devem lutar até o fim por sua candidatura fictícia. Adia-se, assim, a consagração de Haddad como candidato do PT e herdeiro do lulismo.

Até o fim significa entrar com recursos no TSE, no STF e, naturalmente, até na ONU. Todos com o objetivo de manter o caso dele, Lula, em evidência, de modo a manter, também em evidência, sua imagem nacional e internacional de vítima de um complô das elites brasileiras. O ex-presidente sabe que não tem chances de reverter a decisão dos ministros do TSE.

Não há dúvida de que se trata da estratégia jurídica mais apropriada para o ex-presidente. Como não tem chance de obter vitórias judiciais por meio da lei, no mérito, resta a Lula prosseguir na sua campanha de desmoralização do Poder Judiciário e do Ministério Público Federal. Somente ao subtrair legitimidade das decisões que o mantêm na cadeia pode Lula abreviar sua temporada em Curitiba. Como? Por meio da criação de uma rede de apoio nacional (entre seus seguidores) e internacional (entre líderes de esquerda) que resulte em pressão de parte da opinião pública em favor dele. É improvável que os demais processos contra Lula sejam afetados por essa campanha. Mas já se viu o impacto que uma recomendação de um comitê da ONU pode ter na vida pública brasileira.

Tentar contaminar seus processos com tintas políticas é uma estratégia que Lula persegue há anos. A questão, neste momento, é o choque dessa estratégia, sobretudo jurídica, pois visa tirá-lo da cadeia, com a viabilidade eleitoral do lulismo – de Fernando Haddad. Estará Lula, neste momento, pensando em seus interesses ou nos de seu partido? Ou ambos são realmente coincidentes?

Não é fortuito que a decisão de Lula tenha causado divisão no PT. Se não cometer erros graves, Haddad tem grandes chances de herdar votos suficientes de Lula para ir ao segundo turno. A estratégia de Lula é arriscada porque:

  • Reduzirá o tempo para que Haddad torne-se conhecido como seu herdeiro: numa campanha já curta, de poucas semanas, o ex-prefeito de São Paulo perderá uma semana, por baixo, para se apresentar como candidato. Não há modelo ou precedentes para tocar um processo de transferência de votos. Numa eleição definida por incertezas, e com o dono dos votos encarcerado, os riscos, para o PT, se multiplicam.
  • Aumentará o custo de qualquer erro cometido pela campanha: com menos tempo de campanha como candidato oficial, Haddad não poderá cometer erros, sob o sério risco de dispersar, entre Marina e Ciro, os votos que poderiam ser recebidos por ele. Uma mensagem equivocada por alguns dias no programa de TV, uma decisão judicial contrária, diante do ambiente jurídico tenso, um grande acerto de Marino – qualquer um desses fatos pode ser fatal, a depender do momento da campanha. O tempo de reação em face de um erro tático será curto; a pressão para acertar será enorme. Sob pressão, erros são mais comuns. E estaremos diante de uma situação inédita, com um candidato ainda desconhecido – e que tem no seu currículo uma derrota em primeiro turno para Doria.

Nunca é prudente, porém, duvidar da capacidade política de Lula. Seu cálculo pode estar correto, caso ele esteja realmente fundamentado na eleição de Haddad, e não no destino judicial do ex-presidente. Lula conhece Haddad, conhece seu partido e conhece, como poucos, o eleitorado brasileiro. Mas Lula não é infalível. Se o arriscado curso de ação que escolheu para o PT estiver equivocado, Marina ou – mais difícil – Ciro podem conquistar os votos do ex-presidente e seguir para o segundo turno.

 

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