As cinzas do Museu Nacional recaem sobre todos nós. Espalham a dor profunda de uma perda do que nos constitui como país. Espalham também, queiramos ou não, o desprezo que dispensamos, como povo, ao nosso patrimônio, nossa arte, nossa memória – nossa cultura.
Décadas de abandono – e o que seria o abandono prolongado senão um dos sintomas do desprezo coletivo? – revelam, claro, a negligência de políticos e gestores. Eles devem ser responsabilizados na medida de suas ações e inações. Mas não estão sozinhos na tutela dessa tragédia.
Essa breve reflexão não anula, de modo algum, a necessidade de apuração rigorosa do incêndio e a consequente punição penal, administrativa e política de quem quer que seja. Mas julgo que ela, essa reflexão, seja necessária para entender como chegamos até aqui.
Somos um país inculto. Não damos valor à arte, à ciência, às humanidades. Educação, quando muito, é citada como fábrica de criação de profissionais para o mercado, não como um caminho para que possamos, entre outras coisas, aprender a ser cidadãos. O Iluminismo passa longe.
Como qualquer generalização, a que fiz acima anula nuances. Anula o papel de todos aqueles que lutam e militam no campo da cultura. Mas esses abnegados não alteram o sombrio quadro de um país e de um povo que se entregaram ao atraso civilizatório.
Há sempre a opção confortável de se atribuir a tragédia dentro da tragédia – a razão por trás da negligência num caso específico – às elites brasileiras. Circunscrever nosso atraso ao atraso de nossas elites, eliminando qualquer responsabilidade coletiva, mais ampla. Será?
É possível atribuir a responsabilidade aos políticos e gestores envolvidos no caso, mesmo que em décadas. Também é possível apontar o decantado atraso das elites por esse estado de coisas, pela nossa histórica falta de cultura. Mas e nós? E os demais? Nada temos com isso?
Será que, atendo-me à minha área, nós, jornalistas, fazemos e fizemos o suficiente para alertar a população sobre o que se passa no abandono cotidiano da cultura brasileira? Não me refiro nem ao caso do museu, mas ao quadro mais amplo da cultura como política de Estado?
Políticos, como vocês bem sabem, ignoram a cultura como política pública. Nos planos federal, estadual e municipal. Há exceções aqui e ali. Mas, de modo geral, é um deserto. Cultura não dá voto. E – eis aqui parte importante da reflexão – por que não dá voto?
Deixo essas perguntas sem pretensão de respondê-las. Acho que podem ser úteis para quem está interessado em pensar no assunto. Certamente não terão serventia para quem se satisfaz ao atribuir culpa a um político – ou aos políticos que exploram eleitoralmente a tragédia.
“É possível atribuir a responsabilidade aos políticos e gestores envolvidos no caso, mesmo que em décadas. Também é possível apontar o decantado atraso das elites por esse estado de coisas, pela nossa histórica falta de cultura. Mas e nós? E os demais? Nada temos com isso?”
Excelente a reflexão, Diego. Mas existem autoridades com nome e cpf que têm mais responsabilidades (do que outras) no ocorrido.